EDITORIAL

Bio-editorial: por um diálogo inter e transdisciplinar

Juan María Cuevas Silva
Editor
DOI: http://dx.doi.org/10.18359/rlbi.1438


Durante o desenvolvimento do século XX, no contexto acadêmico e intelectual agudizou-se a discussão entre as ciências macias e ciências duras; entre ciências exatas e experimentais com as ciências humanas, humanidades e ciências sociais. Este fato na academia ocidental, e mais acentuada nos países latino-americanos, gerou um imaginário social no qual as ciências exatas (duras) consideravam-se como aquelas que "sim" eram as que cumpriam com as condições para serem chamadas de científicas; no entanto que as ciências humanas, sociais ou de humanidades foram concebidas como ciências especulativas. Crasso erro da sociedade acadêmica e intelectual ter entendido as ciências desde uma classificação e estratificação hierárquica, um fenômeno que favoreceu a que se esqueceram que tanto umas como as outras produzem conhecimento e tem permitido a transformação e melhoramento na qualidade de vida dos seres humanos. Mas mais do que isso, se esqueceram de que a produção de seus conhecimentos devia cumprir com objetivo de proteger a sacralidade da vida; somado a isso, a cegueira acrítica de ciências exatas e sociais perante o sistema capitalista e de comercialização do conhecimento é uma circunstância que no século XXI é mais evidente e real1.

Neste contexto da falácia dualista e fragmentada entre ciências duras e ciências macias, que para alguns ainda segue em vigor, a bioética surgiu como uma alternativa para demonstrar, tanto para os cientistas exatos como a cientistas sociais, que uma tendência epistêmica científica não é mais (nem vale mais) do que a outra. Pelo contrário, são complementares, de forma tal que são chamados a gerar e produzir conhecimento relevante em uma sociedade conturbada, onde a vida é cada vez mais afectada por avanços técnico-científicos, fórmulas mercado-financeiras, modelos religioso-morais, estruturas urbanistico-asfalticas, entre outros fenómenos característicos da dinâmica histórica.

Considerar no século XXI que as ciências exatas são mais do que as ciências humanas, sociais ou as humanidades; ou, pelo contrário, ter tendência ao dogmatismo radical de apresentar às ciências humanas, sociais ou as humanidades, como aquelas que têm a última palavra perante o conhecimento científico, faz surgir uma dicotomia entre o conhecimento científico e o conhecimento humanístico, que mais que um confronto convida à construção de pontes de diálogo entre as ciências, mas a partir da realidade social que surge e se gesta em cada contexto, uma ciência onde o laboratório é a realidade social cotidianidade da vida desde seu caráter holístico e não fragmentado.

O diálogo deve ser caracterizado pela abertura da mentalidade dos cientistas de uma tendência ou da outra; deve haver um respeito para a produção de conhecimento em cada espaço epistêmico; não pensar como nos tempos de outrora medievalismo que as humanidades têm a última palavra e que as ciências exatas devem-se submeter ao seu juízo; ou não cair na falácia de dar mais valor às ciências experimentais denegrindo o significado das ciências humanísticas. O diálogo não é entre as ciências de maneira especulativa e irreal, este diálogo é entre os agentes sociais que lideram os processos de produção de cada ciência, quer dizer, os cientistas, os pesquisadores, os acadêmicos. Para este diálogo deve-se eliminar qualquer tipo de prepotência e pretensões porque se acredita ter um conhecimento, pois uma das condições naturais do diálogo é que não existe verticalidade hierárquica com poder, mas sim horizontalidade consensual com capacidade de escuta.

Assim, no campo da bioética, é urgente e necessário gestar diálogos cada vez mais inter e transdisciplinares, descentrando-os meramente do discurso bio-jurídico ou biomédico, especialmente quando no contexto atual das ciências e suas relações com a sociedade e a cultura estão se tornando cada vez mais interdependentes. O diálogo bioético é por excelência um campo onde a ação for adiada, na qual as ciências humanas, sociais ou as humanidades têm um espaço de ação para as suas abordagens. Da mesma forma, é o espaço onde as ciências "exatas" podem pôr em causa o seu progresso, o seu sentido dentro dos processos bióticos e abióticos que nos rodeiam, porque enquanto este diálogo bioético é um diálogo entre o homem e seu ambiente, corpo, vida, existência, mas de forma interdependente com a natureza, com o meio ambiente, com a ecologia.

Nós poderíamos fazer uma exposição de significado da inter e transdisciplinaridade, de sua importância dentro da academia, mas é importante dar o salto em direção inter e transposicionamiento de ideias, sentimentos e pensamentos que se tornam ações; mas isso só é possível através do diálogo, não só de eruditos, mas também de agentes e protagonistas sociais que se sintam membros de um mundo interdependente que requer cuidado e proteção. As construções teóricas, acadêmicas e intelectuais, seja desde as ciências exatas ou desde as ciências humanas, devem promover o diálogo com tudo o que significa a vida ou a permitir o seu desenvolvimento.

O diálogo bioético não pode virar as costas às revoluções que acompanham à humanidade atual: culturais, políticos, sociais, econômico-financeiro, ambientais, ecológicos, de proliferação de gêneros, médico-científico, entre outras. Pelo contrário, essas revoluções devem ser aceitas desde as ciências construídas pelo conhecimento do homem, de forma interdependente, uma vez que o que está no meio não é a discussão sobre a sua validade ou não; em vez disso, está-se vendo sua relevância ou não dentro das sociedades. Para introduzir o diálogo bioético é essencial posicionar-se dentro de uma sociedade líquida (Bauman), no paradigma da complexidade (Morin), da filosofia da finitude (Méllich), sociedade do risco (Beck) e uma miríade de propostas que surgem a partir das ciências humanas e que ajudam a compreender o sentido do progresso das chamadas hoje tecno-ciências e ciências humanísticas.

A bioética é um discurso que com sua abertura e prospectiva torna-se no cenário e terreno favorável para espalhar o sentido holístico das ciências, de todas as ciências sem classes sociais, quer dizer, é um espaço onde se questiona e redefine o antropocentrismo com aquele que tem sido construídas as ciências, o qual projeta um estabelecimento de discursos dialógicos significativos para a realidade em que a vida se desenvolve atualmente. A bioética, por seu caráter dialógico, requer bioeticistas abertos ao mesmo diálogo acadêmico e científico, de agentes sociais que rompam com a paradigmática atitude displicente e egocêntrica como proprietários do conhecimento e da ciência, que a tragam para a realidade com a humildade dos sábios, não com a arrogância daquele que crê sabê-lo todo. Um agente social do conhecimento com capacidade de ser o interlocutor entre os fenômenos sociais, a ciência, o ser humano, o ecológico e tudo o que envolve o biótico e abiótico.

Nesta edição encontram-se perspectivas bioéticas dialógicas, propostas para estabelecer reflexões a partir do início da vida humana, passando pelo meio ambiente e o cuidado, estes textos encontram-se fundamentados em ciências médicas, humanidades, filosofia, direito, ecologia. Convidamos os nossos leitores e autores a serem motivados a conhecer as tendências atuais em bioética e para nos apoiar em nossa revista com artigos de investigação que contribuam para satisfazer as necessidades de nossa sociedade atual. A bioética não é só biomédica ou biojurídica, é também um diálogo com o biossocial, biopolítico, bio-econômico, ou seja, é um diálogo inter- e transdisciplinar e com tudo o que envolve e afeta a vida como um todo.


NOTAS

1 Este aspecto do mercado vs. conhecimento, capitalismo vs. conhecimento, ciência vs. produção é uma questão sensível no contexto educacional global, que deve ser abordado e estudado, mas que não é o centro deste escrito. Volver